terça-feira, 5 de outubro de 2010

De lírios - parte II

(continuação da parte 1...)

Nada se movimentava, nada acontecia. Por segundos sem fim, o mundo havia parado.
Ela já não sabia o que fazer, para onde ir, para onde olhar. Parece ouvir algo, mas não sabe ao certo se imagina, ou se realmente ouve. Parecem passos. Sem pressa, determinados...

Num gesto automático, ela se vira e fixa o olhar sem vida num ponto distante.O ponto se aproxima e vira sombra. Ela apenas observa. A sombra se transforma em vulto e ela sente frio. Junto ao vulto a neblina se torna densa, pesada, compacta... Quase sólida.

O vulto se aproxima. Ela treme. Estremece. E percebe que ironicamente a sensação de calafrio, de pavor, é melhor do que nada. Por instantes, a dor se vai. Dissipa-se.
Ela aperta os olhos, tenta enxergar em meio à neblina o vulto que se aproxima...

Mais e mais perto. Mais e mais frio. Tremores. Temores. E agora ela pode sentir o ar congelando à sua volta. O vulto movimenta-se ao redor dela como quem estuda o inimigo, reconhece o terreno de batalha. Ele dá voltas e mais voltas incessantes. Ela se sente tonta e num esforço superior às próprias forças, fixa o olhar no vulto. Não percebe formas, apenas um par de olhos azuis que faíscam em meio à bruma. Ela segue os olhos, agora curiosa, mas está cada vez mais frio, mais gélido, mais silencioso. Ela se sente fraca. Tenta continuar de pé, tenta fazer com que as palavras saiam, mas é impossível. Ela mergulha no azul. Azul profundo. Azul cruel.

Ela mergulha mais e mais no azul sem fim, e se esquece de tudo. O azul a envolve, a domina, e ela já não sente mais frio. Não vê mais nada.

“Dna. Selma? A senhora está bem? ” ela ouviu sons que pareciam vir em sua direção. Sua visão turva foi se clareando e ela pode divisar um rapaz, provavelmente nos seus dezessete anos, vestido de forma exótica, quase sem cabelos, se dirigindo a ela numa língua estranha. Tudo ao seu redor não fazia sentido. Onde era aquele lugar? Percebeu-se sentada e a sua frente podia ver uma caixa que projetava uma forte luz, como um espelho que, em vez de mostrá-la, exibia o retrato de um lírio branco. Nas mesas, muitos papiros, brancos como ela jamais havia visto. Sons vinham de todos os lados. Metálicos, como se ela estivesse em uma ferraria. A claridade do sol em uma janela distante contrastava com a claridade branca que a envolvia.

Será que ele havia sido capaz de fazer isso com ela? Ela se ouviu dizendo palavras que não conhecia, mas, que ao mesmo tempo, eram tão parte dela: “Estou bem, Alexandre. Vamos, volte ao trabalho.” Nada. Não podia sequer lembrar o lugar onde ela havia crescido e de onde jamais poderia ter saído. A maldição, ela se lembrou. Será que ele...? Não. Enquanto pensava essas coisas, sentia com as mãos o próprio corpo. Olhava para as pontas dos cabelos, que haviam perdido sua negritude quase azulada e adquirido uma tonalidade de amarelo-girassol.

(continua...)

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