segunda-feira, 4 de outubro de 2010

De lírios - Parte I

Com tenho estado meio "desinspirado", resolvi trazer à luz algo que foi feito e há muito está guardado. Trata-se de um longo conto escrito a quatro mãos com minha querida amiga S 4 Sunshine. O modo de fazer era simples, cada um escrevia um parágrafo e mandava para o outro, esse parágrafo era o mote de onde se deveria partir. Ele está todo pronto, mas preferi colocá-lo aqui aos poucos, pois dizem que o que é bom, deve ser vagarosamente saboreado. O título fui eu quem dei, a partir de elementos do próprio conto.

***

Ela se levantou sem pressa, sem querer, olhou à sua volta e se viu em meio há uma densa neblina. Esfregou os olhos como quem acredita estar acordando de um pesadelo, sentiu uma leve brisa gelada passar por seu rosto de marfim e estremeceu...
Incrédula, olhou à sua volta novamente, e se deu conta de que não era sonho, pesadelo, ou quem dera uma ilusão...
Sim, ele se fora, como havia dito um dia que iria. Sem prenúncios, sem despedidas, sem lágrimas. Era tempo de ser. Ela, ao perceber o inevitável, caiu de joelhos e contemplou o infinito vazio e gélido.
Ela abriu seu peito e gritou o mais alto possível, para que não morresse de dor. Mas nenhum som se ouviu. Caminhou lentamente até um campo de lírios e ali o observou longe, alto, decidido. Ela sabia; sempre soube. Desde o dia em que ele viera. Desde o minuto em que ele chegara.
O futuro seria como tinha sido escrito. Nada mais... nada menos.Nada importava agora.
Ele se fora. Era só. Um último olhar sem esperança, mais por hábito do que por razão, e ela vê ao longe, uma silhueta que lhe era conhecida. E é só. Nada há por vir. Nada que faça sentido. Se pudesse, ela derramaria lágrimas, sentiria desespero. Mas ela já não pode.
Então, ela apenas contempla o bater de asas, cada vez mais distante... cada vez mais silencioso. Cada vez mais cruel. Cada vez mais sombrio.....
E ele se afasta, primeiro em pensamento, depois a cada farfalhar de asas, ganha altura,
ganha confiança. Ela sabia. Ela sempre soube. Coragem, não olhe pra trás. Ele sente o
calor do sol chicoteando sua face, folhas ao vento buscando impedi-lo de continuar. Ele
passa a mão na testa para afastar a franja que lhe cai e sente o choro quente escorrendo
pelas bochechas. Mas por que ele chora? Era o que estava escrito. Há um silêncio, que se
transforma num grito. Num ímpeto ele decide olhar pra trás, mas esse ímpeto é varrido
pelo vento que já se faz cada vez mais veloz a cada bater de asas.
Ela vê que ele vira apenas um ponto distante, uma nova estrela, a primeira a despontar no
céu de ocaso. Ela continua lutando para que as lágrimas encontrem saída de seu peito, mas
ela não consegue, o aperto aumenta, a pressão, mas por mais que se esforce, seus olhos
continuam secos e vão perdendo a cor. Ela já se sentiu assim antes. Morta. Nem o doce
cheiro da grama, nem o céu vermelho do por do sol consegue arrancar dela algum sorriso.
Ou qualquer outra sensação. Seus lábios se movem, como se pedras tivessem sido atiradas
no espelho d'água que era seu semblante. Morta. Morta, ela repete silenciosamente.
Ouve um barulho, vindo de trás de si. Ali onde havia a árvore da sombra fresca. Ela prevê
que algo extraordinário está para acontecer. Ela se vira lentamente, experimentando mover
um músculo de cada vez...

(continua)

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