domingo, 17 de janeiro de 2010

Operação Arqueologia: O ovo do dragão (2005)

A operação arqueologia vai trazer textos meus que eu for encontrando e que não constam aqui no blog, sejam em prosa ou em poesia. Assim, luto contra o tempo e faço vocês conhecerem melhor um pouquinho do que eu fui. Começo a série com uma história que escrevi em 2005, de presente pra uma amiga.

Há algum tempo atrás, numa terra não muito distante, havia um rei e uma rainha que governavam placidamente seu pequeno reinado. Apesar de todos os súditos gostarem deles, era de conhecimento público a fraqueza de caráter do rei, e a submissão excessiva pela qual a rainha passava para poder manter a própria sanidade e a ira do rei afastada. Assim, estabelecia-se uma aparência de paz, o que, então, aprazia o povo.
Com o tempo, a rainha ficou grávida, e ela deu à luz uma linda princesinha que um dia seria Rainha. O nascimento da pequena pérola foi deveras celebrado e muitos vieram das mais distantes terras para visitar aquele diamante em forma humana.
Com o passar do tempo, a pequena princesa crescia, e dava mostras de que além de uma beleza física invejável, ela também possuía uma clareza de espírito muito aguçada. Buscava ajudar as outras pessoas, indistintamente praticando a bondade, mas sem abnegação. Ela tinha discernimento para decidir os momentos em que podia exercitar essa bondade e as horas em que devia se retirar de cena, pois ela conhecia seus limites, e seus defeitos na mesma medida que suas virtudes.
Porém, quando a princesa completava seus primeiros anos de maturidade plena como adulta, chegou ao reinado um velho eremita. Aparentemente, ele poderia ser confundido com qualquer pescador da região, mas através seu sorriso bonachão e seus olhos expressivos, todas as pessoas sentiam que o peso dos anos não lhe fazia qualquer diferença. Era difícil ficar em sua presença sem sentir que seus olhos perscrutadores eram de certo modo invasivos. Porém, o ar de sabedoria do velho, perdoava-lhe este tipo de impressão, e ele tornou-se naquele lugar uma espécie de referência para os necessitados de uma palavra amiga, que os ajudasse a resolver a maior sorte de problemas.
Contudo, não se podia deixar enganar pela respeitabilidade do ancião. Ainda que seus olhos fossem macilentos e preguiçosos, e seus cabelos todos da mais pura alvura, sua alma era tenaz e suas intenções, negras. Ela havia levado para a cidade algo que poucos possuem, mas que se bem manejado, podia causar muitos estragos: um ovo de dragão.
Apesar de conhecidos por sua volatilidade e inflamação, os dragões dependem de certas condições especiais para nascer. Assim como as aves ou répteis, a maturação do ovo depende da temperatura ambiente. Entretanto, por mais contra-sensual que pareça, ao invés de fogueiras ou do calor extremo, o ovo de dragão tende a se desenvolver num ambiente frio e ácido. Normalmente, quanto mais úmido, melhor, porém, de uma umidade bastante específica. Ao chegar no pequeno reinado, o velho ainda não tinha certeza, mas sabia que lá talvez, isso lhe dizia sua intuição, era o lugar perfeito para que o ovo atingisse sua plenitude. De fato, todas aquelas propriedades não diziam respeito ao clima natural. Afinal, ali, o clima era ameno, e não havia sequer neve no inverno. Os dias eram mornos e as noites um pouco frias, mas na medida certa para que nem mesmo as lareiras fossem necessárias.
Porém, o sucesso do processo de incubação dependia de como as pessoas reagiam umas com relação às outra. E a experiência do velho, os anos de amargura e de maldades haviam treinado seus olhos para perceber as sutilezas dos homens, e localizar as condições para que sua ambição se concretizasse.
Não se mostrou uma tarefa difícil, já que a predisposição daquele povo para a mentira, para a apatia, para a dor era tão forte. O homem, aproveitando-se da autoridade que tacitamente se lhe concedia, apontava para o pior que existia em cada um, espalhando a vileza, tornando comum o sofrimento, fazendo com que a mera presença do outro fosse uma tarefa praticamente insuportável.
Existia, todavia, um obstáculo para que o ovo do dragão pudesse atingir o ponto de maturação completa. Existia ali, uma pessoa que representava um Ideal díspar daquele que o velho desejava disseminar: a princesa que seria Rainha. Assim, ele desenvolveu um plano que alguns chamariam de sinistro, outros, de esperado. Ele começou a convencer o povo que na verdade, a beleza que fazia a princesa tão cara a todos, era senão uma ilusão. Muito ao contrário, ele queria demonstrar, que o que o povo até então celebrava, era nada menos que a forma mais pervertida de feiúra e monstruosidade.
Certamente, muitos se quedavam céticos a este respeito. Alguns questionaram o velho, tentando entender sua maneira tergiverstória de pensamento, o que ele dizia ser sua complexidade. Porém, estes logo se desinteressaram do assunto e não foi muito difícil de convencê-los, e a todos da veracidade de suas afirmações. Nesse reino, diferente de muitos outros, não havia uma grande figura, no máximo alguns quixotes, mas ninguém que conseguisse manter a integridade diante da estonteante sabedoria do velho ancião. Assim, se a princesa dependia de alguém, além de si própria, ela estava em maus lençóis.
E num momento de fraqueza, ela se viu duvidando de si própria, e neste momento, por mais que tenha durado apenas alguns segundos, forças da natureza que são indescritíveis entraram em ação, e o céus se nublaram, as árvores murcharam, como se curvadas diante de algo que nem elas próprias entendiam, os pássaros calaram e, como se por mágica, não havia mais borboletas, nem libélulas à vista.
O velho, muito perspicaz, soube ler nas entrelinhas os sinais que a natureza emanava, e deu-se por satisfeito. Natus est. Ecce draco animarum devorator. (Nasceu. Eis o dragão devorador de almas).
Entrementes, o que ocorria com a princesa, era deveras intrigante. Antes, muitos dos homens do reino e de terras vizinhas, vinham até o palácio, apenas na esperança de pousarem os olhos sobre a face da formosa donzela. Muitos eram os pagens do castelo que lutavam para atendê-la mais prontamente, o que causava orgulho em seus pais, os soberanos. Agora, a princesa não recebia mais a visita de ninguém, os homens passaram a ignorá-la e mesmo a evitá-la. Os pagens não mais atendiam aos seus chamados, e buscavam transferir para outrem a tarefa de banhá-la e fazer-lhe a toalete. Pouco a pouco, também se operou uma mudança com seus pais, o brilho de orgulho que reluzia em seus olhos foi gradativamente se apagando, e foi substituído por uma sensação de estranheza e vergonha. Quem era aquela estranha que havia sequestrado a bela princesa?
Evidentemente, ela sentia todas essas mudanças de forma pungente. Ainda que pensasse que sua beleza interna – a qual consistia em sua delicadeza, espiritualidade, bondade – continuasse a existir em sua forma mais pura, o senso de que isso era uma rebeldia. E a crença de que nos olhos dos outros jazia a verdade sobre quem ela era na verdade, de que sua antiga vivacidade realmente havia lhe sido desvestida, como se fosse trapo velho imperavam. Olhar-se no espelho tornou-se um fardo, pois o reflexo não era o de si própria, mas sim o de uma estranha, de uma outra. Toda sua noção espacial estava alterada, suas curvas amplificadas, e os outros, ao invés de mostrarem o quanto aquilo era ilusório, só reverberavam suas opiniões e juízos.
O dragão, que crescia cada vez mais, não se nutria dos alimentos que a natureza oferecia, mas daquilo que sentiam os homens que o circundavam, aproveitando-se dos conhecimentos que lhe haviam sido conferidos pela linha genética draconiana. Eis um conhecimento Milenar que passava de dragão para dragão, percebia que o tênue feitiço que havia lançado o velho sobre a cidade podia pôr-se à deriva, caso um único elemento saísse daquela ordem, daquela conformação. Dessa maneira, também como uma forma de se auto-preservar, o dragão lançou um feitiço e, durante o sono da princesa , disfarçado na figura de um gato, ele pode furtivamente se apoderar da beleza da princesa, mas sabendo que não podia destruir tal dádiva, teve que encarcera-la numa bola de cristal. Ele sabia que um dia, a princesa poderia quebrar o feitiço e para que isso se desse era necessário apenas que ela pedisse a ele, de volta, aquilo que lhe pertencia por direito. Ele se tornou, de ladrão, no guardião daquela jóia, e esperaria a eternidade, esperando nunca ter que a devolver.
Do dia seguinte em diante, não mais podia a princesa, que seria Rainha, se olhar no espelho, e mesmo em seu reflexo embaçado no cálice, nos olhos das pessoas, ela só podia ter uma constatação positiva de sua monstruosidade, de sua feiúra.
A única pessoa que podia salvar a princesa, naquela circunstância seria ela mesma. A partir do momento em que ela visse por trás do véu da ilusão, como ela era a personificação de um tipo de beleza muito cara, e muito rara, o feitiço se quebraria e ela voltaria a sorrir. E por mais que ela não conseguisse fazer com que as outras pessoas olhassem também através do véu, ela ainda assim saberia que se tivesse o conhecimento e a força de espírito para pedir de volta aquilo que lhe havia sido extirpado, ela poderia ser novamente completa, apenas ela.

Um comentário:

  1. Hey kid,
    mas que conto de fada é este?hahaha
    achei meio....naive....:)
    bjs

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